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sexta-feira, abril 09, 2004

"A Laranjeira" de Carlos Fuentes 

Que fruto mais espanhol que a laranja? Os tomates e as laranjas, mas é destas últimas que este livro trata como fio condutor dos 5 contos/histórias de que é composto (se bem que, e permitam-me a nota, a espanholada talvez seja a maior exportação de nuestros hermanos).
O livro retrata primeiro o período das descobertas, fixando brilhantemente a atenção no fenómeno de confluência de raças e respectivas culturas, conhecimentos e tradições. A dicotomia da conquista do conquistador focada, como não podia deixar de ser, em Cortés. Neste caso acompanhamos a conquista do México (a Nova Espanha e o respectivo extermínio da população local – os maias) e ficamos a compreender melhor como a terra conquistada não virou simplesmente novo território Espanhol, e como, assim sendo, a Espanha deu um passo em frente, enriqueceu, e deixou os seus resquícios medievos para trás, sem esquecer a barbárie que tudo isto foi.
Como a história não é feita de factos associados a datas, mas sim de uma sequência causa-efeito de vontades, a segunda estórica histórica (passo a expressão) é a decadência consequente desta inter-conquista de povos, que Fuentes deixa transparecer com um espectacular ensaio literário num capítulo com 2 narradores: os 2 filhos de Cortés, um de mãe Espanhola, um de mãe indígena. A metáfora salta à vista.
Qual Orson Welles saltamos para a dinastia dos Cipões (ou Cepiões/Cepiãos/Cipiãos como tenho encontrado noutras leituras) na conquista da península ibérica por parte dos romanos. O capítulo chama-se “As duas Numâncias” e acaba, de facto, com a lenda da grande cidade, último bastião e alma de toda a ibéria. Nas suas deambulações, fiquei com a impressão que Fuentes tem muita dificuldade em lidar com a morte e/ou a caducidade da alma, isto pela atrapalhação que é inerente a algumas passagens de muito difícil compreensão. Não deixa de ser um conto lindíssimo que me foi muito útil como preparação para o livro que me esperava a seguir na mesa-de-cabeceira.
“Apolo e as Putas” segue-se como, na minha opinião, o clímax do livro. Raramente vi algo tão bem escrito, uma experiência literária com tantas vertentes que a releitura impõe-se por si própria com toda a naturalidade. Um actor de Hollywood de ascendência irlandesa, decadente, procura expurgar a crise que atravessa, a noção de vazio da sua vida e de inconsequência de tudo o mais, no México. Aqui acaba por morrer fodendo 7 putas. Enquanto morto, é ele mesmo que nos narra o resto do capítulo acabando no fim por morrer, já morto, em paz com o mundo. Confuso? Aconselho a leitura para mais esclarecimentos :) .
Por fim, a última história é um “E se” colocando Cristóvão Colombo na hipótese de não anunciar ao mundo a sua descoberta. Pessimísticamente, as garras da corrupção tudo acabam por perverter, mais cedo ou mais tarde. Uma nota de advertência e conclusão moral tipicamente colocada no fim do livro.
Em conclusão, é um livro bom para se saber um bocadinho mais do que é a História deste país vizinho que é também em parte um bocadinho da nossa própria História. Recursos estilísticos brilhantes, originais e inéditos mesmo, mas de leitura algo difícil (fico sem saber se por culpa da difícil tradução espanhol / português – por serem línguas tão parecidas mas de construção frásica divergente – se por culpa do próprio escritor que tanta ideia estrambólica tem na cabeça). Não deixará de ser, sem dúvida, uma referência.

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