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sexta-feira, abril 09, 2004

"A Voz dos Deuses" de João Aguiar 

Já notei por diversas vezes que muitos de nós se perdem por vezes nos recâmbiantes do anarquismo reservado. Compreenderia isso se a nossa nação fosse outra, e não esta que tem um passado riquíssimo e uma das Histórias com maior motivo de orgulho do mundo. A meu ver, atenção, o orgulho nacional (chamem-lhe patriotismo desde que isso não evoque imagens do Mel Gibson ou de qualquer outra importação Hollywoodesca) é algo extremamente bonito, que faz de nós um pouco mais que animais, que faz de nós um nó na cadeia que une antepassados e descendentes, que une aqueles que viveram (e muitos que morreram) para que hoje façamos o mesmo para os próximos. Só morre quem é esquecido (cito não menos que Padre António Vieira) e, ao desprezar o amor que há que sentir pela terra que pisamos e da qual (quer queiramos quer não) somos filhos, estamos a negar a memória de uma infinidade de vidas que se quiseram – tanto no seu tempo como nós hoje – duradoiras, eternas e nunca inconsequentes.
Dito que está o que me apertava o gasganete de há uns tempos a esta parte, passemos ao livro que me serviu de ponto de partida: “A Voz dos Deuses”. Basicamente é a história de Viriato de que todos já ouvimos falar, mas que, invariavelmente, não fazemos puto de ideia de quem foi ele de facto. Certo é que ninguém sabe. Mas podemos imaginar, e podemos supor que tenha sido ele o organizador daquilo que nos faz portugueses (lusitanos se preferirem) e que, por si só, é tão português: a unidade. Consequência da pequenez geográfica ou da identidade de um povo? Não interessa, o que é facto, é que poucos países (nenhum? Ou talvez o Mónaco… nem isso!) se podem orgulhar de não serem uma concatenação de países mas sim um país num todo e em completude.
O livro lembra as aventuras criadas por Walter Scott que tanta fantasia me trouxeram em puto. Não tem pretensões algumas nem o escritor aspira ao Nobel (graças a Deus, se mo permitem). No entanto, o livro não deixa de ser uma referência visto que resume para o comum dos mortais alguns pontos fulcrais que, empunhando um bilhete de identidade mal plastificado, de amarelo vómito, fonte rasca e impresso a máquina de escrever, deveríamos saber de cor! Se sabem o que há a saber sobre os povos iberos, confluências de culturas, os cultos, o Endovélico, a inundação Mesopotâmica, a invasão romana e Viriato e sua insígnia do Touro (por último mas central neste contexto) caguem na cena e vão dar aulas para uma faculdade qualquer. Se pelo contrário não sabem LEIAM A MERDA DO LIVRO. Tenho dito. :)

"A Laranjeira" de Carlos Fuentes 

Que fruto mais espanhol que a laranja? Os tomates e as laranjas, mas é destas últimas que este livro trata como fio condutor dos 5 contos/histórias de que é composto (se bem que, e permitam-me a nota, a espanholada talvez seja a maior exportação de nuestros hermanos).
O livro retrata primeiro o período das descobertas, fixando brilhantemente a atenção no fenómeno de confluência de raças e respectivas culturas, conhecimentos e tradições. A dicotomia da conquista do conquistador focada, como não podia deixar de ser, em Cortés. Neste caso acompanhamos a conquista do México (a Nova Espanha e o respectivo extermínio da população local – os maias) e ficamos a compreender melhor como a terra conquistada não virou simplesmente novo território Espanhol, e como, assim sendo, a Espanha deu um passo em frente, enriqueceu, e deixou os seus resquícios medievos para trás, sem esquecer a barbárie que tudo isto foi.
Como a história não é feita de factos associados a datas, mas sim de uma sequência causa-efeito de vontades, a segunda estórica histórica (passo a expressão) é a decadência consequente desta inter-conquista de povos, que Fuentes deixa transparecer com um espectacular ensaio literário num capítulo com 2 narradores: os 2 filhos de Cortés, um de mãe Espanhola, um de mãe indígena. A metáfora salta à vista.
Qual Orson Welles saltamos para a dinastia dos Cipões (ou Cepiões/Cepiãos/Cipiãos como tenho encontrado noutras leituras) na conquista da península ibérica por parte dos romanos. O capítulo chama-se “As duas Numâncias” e acaba, de facto, com a lenda da grande cidade, último bastião e alma de toda a ibéria. Nas suas deambulações, fiquei com a impressão que Fuentes tem muita dificuldade em lidar com a morte e/ou a caducidade da alma, isto pela atrapalhação que é inerente a algumas passagens de muito difícil compreensão. Não deixa de ser um conto lindíssimo que me foi muito útil como preparação para o livro que me esperava a seguir na mesa-de-cabeceira.
“Apolo e as Putas” segue-se como, na minha opinião, o clímax do livro. Raramente vi algo tão bem escrito, uma experiência literária com tantas vertentes que a releitura impõe-se por si própria com toda a naturalidade. Um actor de Hollywood de ascendência irlandesa, decadente, procura expurgar a crise que atravessa, a noção de vazio da sua vida e de inconsequência de tudo o mais, no México. Aqui acaba por morrer fodendo 7 putas. Enquanto morto, é ele mesmo que nos narra o resto do capítulo acabando no fim por morrer, já morto, em paz com o mundo. Confuso? Aconselho a leitura para mais esclarecimentos :) .
Por fim, a última história é um “E se” colocando Cristóvão Colombo na hipótese de não anunciar ao mundo a sua descoberta. Pessimísticamente, as garras da corrupção tudo acabam por perverter, mais cedo ou mais tarde. Uma nota de advertência e conclusão moral tipicamente colocada no fim do livro.
Em conclusão, é um livro bom para se saber um bocadinho mais do que é a História deste país vizinho que é também em parte um bocadinho da nossa própria História. Recursos estilísticos brilhantes, originais e inéditos mesmo, mas de leitura algo difícil (fico sem saber se por culpa da difícil tradução espanhol / português – por serem línguas tão parecidas mas de construção frásica divergente – se por culpa do próprio escritor que tanta ideia estrambólica tem na cabeça). Não deixará de ser, sem dúvida, uma referência.

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